Você foi covarde. Seu amor é forte, seu corpo é fraco. Você foi covarde  como tantas vezes fui por acreditar que a coragem viria depois. A  coragem não vem depois. A coragem vem antes ou não vem. Não posso  amaldiçoar sua covardia. Sua boca não é rápida como suas pernas para me  agarrar. Minhas pernas não são tão rápidas quanto minha boca para lhe  impedir. Você foi covarde. Pela gentileza de sempre dizer sim, repetidos  sim, quando não estava ouvindo. Já desfrutei de sua covardia, ríspido  recusá-la agora, porque não me favorece. Porque não fui escolhida. Não  aquecerei seu prato para servi-lo. Não a ajudarei no parto. Não  partirei. Serei aquela que deveria ter sido, enterrada sem morrer, a que  desapareceu permanecendo perto. Sou seu constrangimento mais alegre.  Sua ferida, seu feriado. Com o tempo, serei sua vontade de se calar. De  se retirar da sala. Não conhecerá meus hábitos de puxar o café antes de  ficar pronto. De abrir as venezianas como quem procura reunir os  chinelos ao vento. Você foi covarde, ninguém iria compreendê-la. Hoje  todos a compreendem, menos você mesmo. Você não se compreende depois  disso. O que é imenso é estreito. O que é infinito fecha. Até o oceano  tem becos e ruas sem saída. Até o oceano. Sua esperança não diminui a  covardia. Quer um conselho? Finge que a dor que sente é a minha para  entreter sua dor. Saudades ficam violentas quando mudamos de endereço.  Saudades ficam insuportáveis quando mudamos de sentido.
Você confunde sacrifício com covardia. Compreendo. Eu confundo amor com loucura. Cada um tem seus motivos, sua maneira de  se convencer que fez o melhor, fez o que podia. Você me avisou que não  tinha escolha. Nunca teria escolha. Você foi educada com a vida, pediu  licença, agradeceu os presentes. Confiou que a vida logo a entenderia. E  cederia. Engoliu uma palavra para dormir. Não serei vizinha de seu  sobrenome. Seus nomes esperam um único nome que ficou para trás. Você  não desencarnou, não se encarnou, deixou sua carne parada nas leituras.  Morrer é continuar o que não foi vivido. Vai me continuar sem saber.  Você foi covarde. Com sua ternura pálida, seu medo de tudo, sua polidez  em cumprir as promessas. Você não aprendeu a mentir. Tampouco aprendeu a  dizer a verdade. O dia está escuro e não soprarei a luz ao seu lado. O  dia está lento e não haverá movimento nas ruas. Você não revidou nenhuma  das agressões, não revidará mais essa. Você foi covarde. A mais bela  covardia de minha vida. A mais comovida. A mais sincera. A mais  dolorida. O que me atormenta é que sou capaz de amar sua covardia. Foi o  que restou de você em mim.
Fabricio Carpinejar
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